Haicai 15
Passeio no parque –
respirar, em largos haustos,
uma miríade de verdes.
A areia das praias
dunas, desertos
foi parar no céu
espatulada
em nuvens prateadas.
Por um longo instante
o mundo ficou virado
de ponta-cabeça.
E então
como se nada fosse
tudo se desfez.
O pó feito de água
escoou, escorreu
suavemente
pela ampulheta
do horizonte.
Cansaço de tudo
de pensar no hoje
de esperar pelo amanhã
das tarefas obrigatórias
da posição defensiva
diante das ameaças
do mundo
do próximo
do distante
do sucesso do outro
da ilusão de dar valor
a esse sucesso
ou ao próprio
tão passageiro
está sendo
já foi
e lá vem outra onda
de fatos, acontecimentos
eu dentro, eu fora
sim e não, tanto faz
por isso, o cansaço
o desapego
pois o que é o viver
senão ser parte
de tudo, de um todo
assim como a pata
que ciceroneia
os patinhos na lagoa.
Pela minha janela
quando a noite acorda
e luzes vívidas espalham-se
em direção à profundidade escura
do horizonte
tenho a cidade a meus pés
tudo muda
quando o dia amanhece e
pela minha janela
fico à mercê da cidade
com sua claridade cambiante
de cores típicas
que nunca são as mesmas
vez ou outra a amplitude do céu
serena imutável
altera-se
por conta de elementos dissonantes
nuvens chuva raios bruma
pássaros em voo tão próximo
aviões de carreira
que sulcam trilhas retilíneas
metálicamente brilhantes
pela minha janela
aprecio os tons esmaecidos
do poente
o nascente vibrante
um quadro mutante
uma obra aberta
uma pintura sempre renovada
uma sinfonia
que enche minha casa
de intangível beleza