Haicai 16
Confiança absoluta –
mãe e filha, de mãos dadas,
seguindo pela rua.
A casa está de pé
ninguém sabe como,
há rachaduras, buracos,
reentrâncias,
lascas nos ladrilhos,
gordura acumulada,
estranhas ressonâncias,
falta de gravidade
nas repentinas diferenças
de piso.
O novo e o velho
se misturam
num charme inesperado,
por mais moderno
o móvel se encaixa,
por mais antiquado
pode ser útil.
Na mescla do antigo
e da vanguarda.
do desconjuntado
e do aproveitável,
a casa vai se aguentando,
cheia de feridas
e de lembranças.
Um dia teve quintal
espaçoso, flores
e plantas
entrelaçadas,
ervas exóticas
para chás curativos.
Um dia teve também
a senhora da casa,
oprimida, mas gentil,
capaz de unir
com graça
as inconciliáveis diferenças
entre o caipira e o urbano,
o mágico e o rotineiro,
o divino e o profano.
Talvez por ela,
que já se foi,
a casa permaneça de pé,
como numa homenagem
póstuma.
Do barro amassado,
eivado de essências
profundas,
das raízes de ferro,
níquel e fogo,
permeadas de gases
elementares,
dos vestígios de lava
e de vegetação
cristalizada,
da vida sem vida,
conta a lenda,
nasceu o primeiro
rebento da humanidade,
luz divina
lançada
sobre obscura
matéria-prima.
Poço sem fundo,
mesmo assim
o afogamento
é impossível.
As profundezas
da mágoa
encobrem a dor
apenas por instantes,
pois tão logo mergulha,
flutua de volta,
como uma rolha.
Mágico encanto
de sereias
silvar de cobras
arpejo de serafins
volteios
nostalgia
remansos
sem fim
vozes
caminhos
destino
feliz
murmúrios
rios interiores
gritaria
fantasmagórica
sem sentido
ruim
tristes cismas
melancolia
crepúsculo
lembranças
enfim
canções
que a alma canta
simplesmente
assim.
Estamos sempre tentando
alcançar a felicidade
como se fosse uma meta,
um troféu, uma conquista,
alguma coisa que se pega.
Avançamos, sedentos,
e ela se revela
apenas uma miragem,
que se distancia
cada vez mais
enquanto sofremos.
Não compreendemos
que a felicidade não existe
enquanto não a escolhemos
para estar em nós mesmos,
maravilhando-nos,
dia após dia,
com a oportunidade
da vida.
Passarinho cantou,
tão baixo, rasteiro,
assoviou.
Lembro apenas
do barulho das sombras,
se desfazendo,
dos últimos pingos
caindo, um a um,
do arco-íris
que brilhou,
pavão furta-cor.
Vi, então, um pedaço
rasgado de céu azul
– seda ou cetim ? –
pequenas e frias estrelas
cintilando.
A lua brigou com o sol,
não houve casamento
nem de viúva,
nem de espanhol.
Ouvi ruídos longínquos,
estranhos.
Minha voz
procurou espaço,
queria se expandir,
fogo de encontro.
Só cinzas,
sem incêndio.
Busquei pedrinhas
para jogar no lago,
encontrei conchas
na areia vertiginosa
que seguia o mar.
Azul, verde,
o brilho cristalino
da água ofuscou
minha vista.
O barco pequeno
navegava ao encontro
do horizonte.
A bandeira, a vela,
cera branca,
branca de cera.
O vento rugiu,
o despertador tocou.
Ouvi, ainda,
estremunhada,
o trinar de um
passarinho.
Foi aqui dentro
ou lá fora
que ele cantou?
A vida é um
esperar contínuo,
9 meses para nascer,
muitos 18 anos
para crescer,
amadurecer
quando?
De beijo em beijo, de toque em toque, de afago em afago,
de repente,
nossos rostos deixaram cair as máscaras,
nossos olhos permitiram revelar-se,
nossas mãos tocaram-se de fato
e nos conhecemos.
Primeiro, somos terra fértil.
Depois, florestas dizimadas.
Enfim, etéreo firmamento.