Haicai 11
Vestido ao vento,
um jardim florido
pendurado no varal.
Deixe que eu a assopre
deixe que se vá
no mar de emoções
em que mergulho
ela é como
a franja branca
a renda espumante
da onda majestosa
muito, pela beleza da forma
nada, pela essência que nem
rastro deixa
então, que o vento a leve
que a espalhe, que a dissolva
que apareça, mas que também desapareça
como se não fosse
mesmo tendo sido alguma vez
tristeza.
A areia das praias
dunas, desertos
foi parar no céu
espatulada
em nuvens prateadas.
Por um longo instante
o mundo ficou virado
de ponta-cabeça.
E então
como se nada fosse
tudo se desfez.
O pó feito de água
escoou, escorreu
suavemente
pela ampulheta
do horizonte.
Sinto sua falta,
mais do que tudo
um imenso vazio,
como se nenhum outro
fosse entender de novo
meu canto, meu ritmo, meu sonho,
como se temesse
quem tentasse ou pudesse
apagar o calor que ainda vibra
em cada ponto, em cada pelo,
em cada dobra e recanto do meu corpo.
Sinto saudades
de alguma coisa indizível,
impalpável, confusa,
uma sensação de ter,
não tendo,
de amar,
sem o objeto do amor,
de perder
o que nem conquistei,
de algo bom,
que não foi por completo,
uma sensação de teria sido.
Sinto sua falta,
não sei onde anda
ou se me esqueceu,
meu corpo sente falta
do seu corpo
e procuro acostumá-lo à ideia
de que já o perdeu.
Molhada,
descabelada,
zonza,
saí assim
da minha
primeira onda.
Na arrebentação,
apavorada,
fui coberta,
arrastada,
envolvida
por sua trama
grossa
e espumosa.
Depois do medo,
o gozo,
sobrevivi
mesmo encharcada.
Feito zumbi,
aos olhos
de quem olhava,
me descobri
rindo sozinha,
bêbada
de água salgada.
Se os animais
falassem
e pensassem
e agissem,
montando estratégias
de sobrevivência –
como nós -,
também seriam
inconformados
com os próprios
limites;
insatisfeitos,
mesmo tendo,
ou não, e
consumidos pela
ambição voraz,
como nós.
Abençoados,
então, porque
não falam,
não pensam,
não agem,
sem consciência
de quão vasta
é a ignorância
e tão grande
o mistério.
Melhor voltar
ao Paraíso,
recuperar
a inocência
animal de
Adão e Eva.
Ironia ter sido
uma serpente
a causadora da
queda.
Cansaço de tudo
de pensar no hoje
de esperar pelo amanhã
das tarefas obrigatórias
da posição defensiva
diante das ameaças
do mundo
do próximo
do distante
do sucesso do outro
da ilusão de dar valor
a esse sucesso
ou ao próprio
tão passageiro
está sendo
já foi
e lá vem outra onda
de fatos, acontecimentos
eu dentro, eu fora
sim e não, tanto faz
por isso, o cansaço
o desapego
pois o que é o viver
senão ser parte
de tudo, de um todo
assim como a pata
que ciceroneia
os patinhos na lagoa.
O que seria de mim
se não existisse
o outro?
Um náufrago solitário,
à procura de um “Sexta-Feira”,
pois é para o outro
que falo,
é no outro
que me reflito,
e me descubro,
é por causa do outro
que me expando
e me limito,
e é com o outro
que aprendo
a amar,
que meus interesses
ganham sentido,
meus projetos,
consistência,
meus pensamentos
e sentimentos,
um rumo
de bumerangue.
Pelo outro
eu avanço,
eu me aprimoro,
eu me desafio.
Sem o outro,
por falta de ressonância,
eu seria alguém
que nunca se realiza.
Pela minha janela
quando a noite acorda
e luzes vívidas espalham-se
em direção à profundidade escura
do horizonte
tenho a cidade a meus pés
tudo muda
quando o dia amanhece e
pela minha janela
fico à mercê da cidade
com sua claridade cambiante
de cores típicas
que nunca são as mesmas
vez ou outra a amplitude do céu
serena imutável
altera-se
por conta de elementos dissonantes
nuvens chuva raios bruma
pássaros em voo tão próximo
aviões de carreira
que sulcam trilhas retilíneas
metálicamente brilhantes
pela minha janela
aprecio os tons esmaecidos
do poente
o nascente vibrante
um quadro mutante
uma obra aberta
uma pintura sempre renovada
uma sinfonia
que enche minha casa
de intangível beleza
Mais sábio tirar
o amor do sofrimento
que não é inerente
mas provocado
por causa do excesso
ou por falta, descaso
se há uma média
uma dose certa
desse amor
que tudo permeia
fluindo como água
estimulando a vida
por onde passa
talvez esteja aí mesmo
nesse movimento
sem mistério
nada de segurar
prender o amor
dele tomar posse
deixá-lo passar
eis a melhor receita
nem muito, nem pouco
apenas não contê-lo.