Sintonia em si
Flores belas,
de pétalas voltadas
para o céu,
acolhem
em sedoso cálice
gotas translúcidas
de pura esperança.
No viver.
No que vier.
No que tiver de ser.
Flores belas,
de pétalas voltadas
para o céu,
acolhem
em sedoso cálice
gotas translúcidas
de pura esperança.
No viver.
No que vier.
No que tiver de ser.
O míope, quando
tira os óculos,
se vê – literalmente –
imerso em um
quadro impressionista.
Poema e ilustração da designer e artista plástica Denise de Camargo…
Às vezes poeira, às vezes caixão.
Ambos feitos de um material instável – ou estável –
de acordo com a pureza da cosmovisão.
Alado – ou arado – era mais do que um punhado:
de estrelas, alegrias ou qualquer religião.
Adorava seguir por entre os vales – ou valas –
da finita e ambígua rebimboca da parafuseta
destrambelhada em difusa precisão.
Comia por alto, bebia nos cactos, mas rugia,
vivia e mentia nas beiradas de um escopo azul.
Rudimentar, talvez. Espacial, sem vez.
De olho aberto, ruptura assim. Elementar – saudável –
ou quem sabe uma parte daquilo que vazava em mim.
Cascatas,
música clássica,
chuva rápida,
estalo de pipoca,
disso tudo,
um pouco de cada coisa,
veio a sonoridade
cristalina
das risadas.
Há dias em que dá uma
vergonha de mim,
de ser quem sou,
de ser como sou.
O que fazer?
Fugir,
enfiar-me na toca,
deixar de ser?
A melhor alternativa
é viver – como diria
Clarice Lispector –
apesar de…
Contrariar as contrariedades
Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive, muitas vezes, é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida.
Clarice Lispector, em ‘Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres’
Quando perguntaram
ao guerreiro
ao inquisidor
ao terrorista
ao ditador
ao homem, enfim,
por que era tão cruel
com o outro homem,
ele respondeu simplesmente,
sem hipocrisias religiosas
ou apelos idealistas:
– Porque eu posso.
Na luta da vida,
o poder é uma arma
muito perigosa.
No fim, só a
morte é certa.
Mas, no remoinho
do viver, mesmo
as certezas são incertas
e fluem, em sua particular
harmonia, pelos mistérios
da impermanência.
A areia das praias
dunas, desertos
foi parar no céu
espatulada
em nuvens prateadas.
Por um longo instante
o mundo ficou virado
de ponta-cabeça.
E então
como se nada fosse
tudo se desfez.
O pó feito de água
escoou, escorreu
suavemente
pela ampulheta
do horizonte.
Molhada,
descabelada,
zonza,
saí assim
da minha
primeira onda.
Na arrebentação,
apavorada,
fui coberta,
arrastada,
envolvida
por sua trama
grossa
e espumosa.
Depois do medo,
o gozo,
sobrevivi
mesmo encharcada.
Feito zumbi,
aos olhos
de quem olhava,
me descobri
rindo sozinha,
bêbada
de água salgada.