Haicai 15
Passeio no parque –
respirar, em largos haustos,
uma miríade de verdes.
Do barro amassado,
eivado de essências
profundas,
das raízes de ferro,
níquel e fogo,
permeadas de gases
elementares,
dos vestígios de lava
e de vegetação
cristalizada,
da vida sem vida,
conta a lenda,
nasceu o primeiro
rebento da humanidade,
luz divina
lançada
sobre obscura
matéria-prima.
O aroma do assado
subverteu a ordem,
o coentro, o manjericão
espocaram na língua,
desfazendo os nós,
a framboesa,
derretida em calda,
suavizou a tensão,
o vinho espalhou-se,
generoso,
turbilhonando nas taças
de cristal,
as cores estaladas
das frutas e flores,
displicentemente
colocadas
sobre o aparador,
combinaram-se
como arco-íris
depois de chuva de verão,
o roçar da toalha branca,
de neve rendada,
tocada de leve
pelos talheres de prata,
inundaram de tons
irreverentes
o ambiente,
antes tão formal.
Uma refeição primorosa
selou, naquele dia,
as pazes do casal.
Estamos sempre tentando
alcançar a felicidade
como se fosse uma meta,
um troféu, uma conquista,
alguma coisa que se pega.
Avançamos, sedentos,
e ela se revela
apenas uma miragem,
que se distancia
cada vez mais
enquanto sofremos.
Não compreendemos
que a felicidade não existe
enquanto não a escolhemos
para estar em nós mesmos,
maravilhando-nos,
dia após dia,
com a oportunidade
da vida.
Passarinho cantou,
tão baixo, rasteiro,
assoviou.
Lembro apenas
do barulho das sombras,
se desfazendo,
dos últimos pingos
caindo, um a um,
do arco-íris
que brilhou,
pavão furta-cor.
Vi, então, um pedaço
rasgado de céu azul
– seda ou cetim ? –
pequenas e frias estrelas
cintilando.
A lua brigou com o sol,
não houve casamento
nem de viúva,
nem de espanhol.
Ouvi ruídos longínquos,
estranhos.
Minha voz
procurou espaço,
queria se expandir,
fogo de encontro.
Só cinzas,
sem incêndio.
Busquei pedrinhas
para jogar no lago,
encontrei conchas
na areia vertiginosa
que seguia o mar.
Azul, verde,
o brilho cristalino
da água ofuscou
minha vista.
O barco pequeno
navegava ao encontro
do horizonte.
A bandeira, a vela,
cera branca,
branca de cera.
O vento rugiu,
o despertador tocou.
Ouvi, ainda,
estremunhada,
o trinar de um
passarinho.
Foi aqui dentro
ou lá fora
que ele cantou?
A vida é um
esperar contínuo,
9 meses para nascer,
muitos 18 anos
para crescer,
amadurecer
quando?
De beijo em beijo, de toque em toque, de afago em afago,
de repente,
nossos rostos deixaram cair as máscaras,
nossos olhos permitiram revelar-se,
nossas mãos tocaram-se de fato
e nos conhecemos.
Primeiro, somos terra fértil.
Depois, florestas dizimadas.
Enfim, etéreo firmamento.
O marido fuma
sentado na cadeira
ali ela deixa
frente à vastidão
dissipadora
do mar
ela faz cera
antes de sentar
e pegar a revista
de sérias notícias
alonga-se como se
antes talvez depois
o exercício fosse
ou tivesse sido
exaustivo
mas há uma
cadeira embaixo
do guarda-sol
protetor e
um espelho
em algum lugar
ela abre a caixinha
nem tanto pra se ver
mais essencial
é passar um pouquinho
de pó de arroz!
O mundo desaba
torrente de lágrimas
nuvens escuras raios amarelos
percussão de trovões
pouca gente na rua
é domingo
recolhimento e medo
orações
a água escorre dentro de casa
janelas fechadas
cortinas molhadas
sirenes
de repente um fog
londrino
o ar se torna espesso fumaça
o vento vem e espalha
umidade densa
entorna
penetra ultrapassa
a terra o asfalto
fica muito nítido
limpo claro
a noite recende a alfazema
e canta sem palavras
tudo passa tudo passa