Haicai 20
SILÊNCIO À MESA DO JANTAR –
ENQUANTO CONVERSO COMIGO MESMA,
VOCÊ ME FAZ COMPANHIA.
Dar a volta ao mundo
viajando com as palavras
que embora em casual harmonia
aqui afloram caóticas
entrar no rodopio
criativamente planejado
de ruas bairros prédios
cujos nomes parecem setas indicativas
de alguma maluca agência de turismo
caminhar pelo jardim Piza
passando pelas ruas
Veneza Florença Gênova
nas quais se chega trafegando
pela avenida Inglaterra
em ordem geográfica incerta
chegar a Paris Toulouse Marselha
tomando fôlego na Milão
para desembarcar em Quebec
e logo a seguir em San Diego
San Isidro San Fernando
todos próximos da Califórnia
e do sempre enigmático Eldorado
descer em frente ao prédio Campos Elíseos
que não dista muito do Monte Carlo
no centro percorrer a Rio Grande do Sul
que logicamente desemboca
na Rio Grande do Norte
enquanto Paraná e Sergipe
fluem paralelas
e no letreiro do ônibus
que deseja de acordo com o horário
Bom Dia Boa Tarde Boa Noite
surpreender-se com o itinerário:
Tóquio
mais um destino impossível possível
nesta cidade globalizada
pelas palavras
Sem identidade,
apenas um homem e uma mulher
num mergulho sem volta.
Nem joão, nem maria,
apenas um homem à procura
de seu limite máximo,
apenas uma mulher a se equilibrar
no fio solto
de suas amarras.
Nem ele, nem ela,
apenas um único ser
enquanto dura
o instante supremo do abandono.
Nem eu, nem você,
apenas os sonhos
a recobrir nossas peles,
apenas os corpos unidos
como num prolongamento,
apenas o ser e o estar fundidos
num longo e mágico momento.
Sem identidade,
apenas um homem e uma mulher
enrodilhados no sono.
Do afeto
puro e simples
à compaixão,
esculpida com paciência
em nossos corações,
o amor
flui, transforma,
refaz,
frutifica,
em seu escorrer
pela alma.
Quando estanca,
translúcido,
no poço fundo
do nosso eu,
avança para o alto
até não ser mais contido,
num transbordamento
de luz.
Estou partindo,
impregnada de sol,
de tepidez das águas,
de canção das matas.
Por onde ando
reflito calor extemporâneo,
imponência de montanha,
o balançar de ondas e barcos.
Por onde passo
deixo pistas de areia fina,
respingos de pele molhada.
Em tudo
vejo brilho de prata,
de cidade refletida no oceano.
Por tudo e por nada
lembro de flores esparsas,
pontilhando todos os caminhos.
Ilha cheia de artimanhas,
seduziu meu corpo,
encantou meus sentidos,
usou de magia e sortilégios,
me deixou enfeitiçada.
O marido fuma
sentado na cadeira
ali ela deixa
frente à vastidão
dissipadora
do mar
ela faz cera
antes de sentar
e pegar a revista
de sérias notícias
alonga-se como se
antes talvez depois
o exercício fosse
ou tivesse sido
exaustivo
mas há uma
cadeira embaixo
do guarda-sol
protetor e
um espelho
em algum lugar
ela abre a caixinha
nem tanto pra se ver
mais essencial
é passar um pouquinho
de pó de arroz!