Parece óbvio, mas nem sempre nos lembramos de que um dos aspectos formais mais importantes do texto é apresentar um começo, um meio e um fim facilmente identificáveis e compreensíveis. Seja redação de vestibular, defesa de tese, carta, ou um simples e-mail, nada é mais agradável para o leitor do que acompanhar, com facilidade, o ponto de vista do escritor, do começo ao fim do texto.
Um bom texto apresenta o desenvolvimento de um raciocínio com sentido pleno e, por isso, é importante saber o que compõe cada um de seus segmentos lógicos. Assim:
Começo
O tema / assunto sobre o qual estou escrevendo.
O contexto no qual esse tema / assunto se insere.
Meu ponto de vista sobre o assunto.
Meio
Os argumentos, as informações, as histórias, as metáforas, as analogias etc. que justificam meu ponto de vista sobre o assunto, que defendem o posicionamento que apresentei no começo do texto.
Fim
A dedução lógica / natural de toda a reflexão feita.
A conclusão da linha de raciocínio desenvolvida (algo como 2 + 2 = 4).
Esse é o fio condutor básico de qualquer texto, mas as composições, a partir dessa base, podem ser infinitas. Quanto maior a desenvoltura do escritor, mais proveito criativo tirará desse recurso, inclusive, algumas vezes, revertendo essa lógica (o fim vira começo e o começo vira fim, por exemplo).
Mas vejamos uma referência de texto que segue a lógica do começo, meio e fim, com muita criatividade. Trata-se do haicai, uma forma de fazer poesia, de origem japonesa, que utiliza apenas três frases para “contar uma história”; “registrar um momento”; “expressar um sentimento”; “fazer uma reflexão” etc. Haja concisão e objetividade, não?
Moderno e à moda brasileira, o haicai a seguir, do poeta paranaense Paulo Leminski (1944-1989), dá uma boa ideia desse tipo de poema e de sua lógica perfeita:
acordei e me olhei no espelho
ainda a tempo de ver
meu sonho virar pesadelo
Na primeira frase – acordei e me olhei no espelho – revela-se o tema: um comportamento comum do nosso cotidiano. Já o contexto seria um dia qualquer desse cotidiano. Ainda na primeira frase, insinua-se o ponto de vista do autor: uma reflexão sobre a nossa condição humana.
Na segunda frase – ainda a tempo de ver – apresenta-se a justificativa que motiva a reflexão do autor sobre a nossa condição humana, ou seja, estamos saindo de uma noite de sono, de sonhos, de descanso, em que a dura e corrida realidade do dia a dia ainda não se instalou; então, não totalmente armados das “defesas” que usamos nos enfrentamentos diários do viver, somos capazes de perceber algo mais sutil.
Na terceira frase – meu sonho virar pesadelo – conclui-se a linha de raciocínio desenvolvida pelo autor; esse “algo mais sutil” que conseguimos perceber, quando nos olhamos no espelho pela manhã, é que aquele relaxamento, aquele “esquecer” dos problemas, possibilitado pelo sono, durou só um momento, parecendo-se a um sonho bom que, ao se desfazer perante a realidade, vira um pesadelo.
O próximo exemplo é um haicai mais tradicional, do poeta japonês Issa (1763-1827):
Passo a passo
sobre a montanha no verão –
de repente o mar.
Na primeira frase – Passo a passo – insinua-se o tema, de forma delicada, sutil, característica da poesia: uma caminhada? Pode-se deduzir um contexto emocional: essa caminhada é feita com vagar, com tranquilidade. Não há ainda um ponto de vista definido, mas sim um estímulo para que o leitor se junte ao autor nessa sensação sobre a qual ele está escrevendo.
Na segunda frase – sobre a montanha no verão – tem-se a informação sobre o local e a estação do ano em que se dá a caminhada prazerosa.
Na terceira frase – de repente o mar – percebe-se, com a conclusão, o que o autor quis mostrar: aquela sensação de maravilhamento que temos quando, cansados, suados, ao fazer uma caminhada montanha acima, em pleno verão, deparamos, de repente, com a visão da imensidão do mar lá embaixo.
Deu para perceber a importância da lógica em um texto? É essa lógica que vai permitir ao leitor uma compreensão adequada da ideia / reflexão do autor. Em um bom texto, portanto, não se esqueça, tudo tem um começo, um meio e um fim.
Sugestão para aproveitar melhor essa dica: analise textos de colunistas de jornal, revista, internet e procure identificar os elementos constituintes do começo (tema, contexto, ponto de vista), do meio (justificativa, informações, defesa de ideias, argumentos etc.) e do fim (dedução lógica, conclusão do raciocínio), constatando como a presença desses elementos, encadeados de forma coerente, facilita a compreensão da ideia do autor.
Veja também:
Comentários em: "A lógica do texto" (4)
Muito bom
Olá, Regina, grata pela visita e comentários.
Bonito seu blog também. Recomendo.
Ler e fazer haicais é mesmo muito bom para a mente e para a alma, não?
Abs,
Ana
É sim. Faço haicais e origami e isso me ajuda a observar mais e traz teanquilidade e equilíbrio.
Por isso, em alguns casos, nas minhas aulas de redação, sugiro aos alunos praticar o haicai. É excelente para o desenvolvimento do escritor, pois estimula o afloramento da sensibilidade e, ao mesmo tempo, exercita a compreensão mais profunda e a aplicação prática da lógica básica de qualquer texto (começo, meio e fim).
Abs,
Ana